Em um país onde 78,58% dos municípios sofrem com a carência de médicos, o preço dos cursos de Medicina representa um entrave para a formação de novos profissionais. Se por um lado, instituições de ensino superior particulares chegam a cobrar mais de R$ 10 mil por mensalidade, por outro, a rede pública não é capaz de absorver a demanda de brasileiros que alimentam o sonho de cuidar de vidas.
Os dados do Sistema de Seleção Unificada – Sisu 2024 – ilustram bem o desequilíbrio da balança entre a oferta e a procura por Medicina. Segundo o Ministério da Educação (MEC), o curso é o nono com o maior número de vagas ofertadas, 5.733 em todo o país. Porém, é o primeiro no ranking dos mais concorridos, com 298.316 inscrições. Ou seja, enquanto a média geral da concorrência no Sisu é de 9,19 candidatos por vaga, cada vaga de Medicina é disputada por 52 pessoas.
Em relação às matrículas, o último Censo da Educação Superior divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), com dados de 2022, contabiliza 245.501 estudantes de Medicina. De acordo com o Painel da Educação Médica no Brasil, plataforma de dados criada pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) em parceria com o portal Melhores Escolas Médicas (MEM), no mesmo ano, o Brasil registrava 365 cursos – 228 privados e 137 públicos.
Neste contexto, a oferta da graduação em Medicina na rede particular está concentrada nas mãos de sete grandes grupos educacionais. Juntos, eles somam 53,3 mil matrículas. Tomando como referência o Censo da Educação Superior 2022, isso representa 21,7% de todas as matrículas de Medicina do país, considerando as instituições públicas e privadas. Somente a Afya é responsável por 22,6 mil estudantes, distribuídos em 30 campi. Completam o ranking a Inspirali (Ânima) com 12 mil alunos; Idomed (Estácio), com 8 mil; Cruzeiro do Sul Educacional (4,4 mil); Ser Educacional (3,2 mil), Vitru Educação (2 mil) e Cogna Educação (1,1 mil).
Novas vagas
Em relação à oferta de vagas, o último estudo Demografia Médica no Brasil, divulgado em dezembro de 2023 pela Associação Médica Brasileira (AMB), soma 46.997 ofertadas – 9.592 públicas e 37.405 privadas. O levantamento foi realizado em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e é o resultado do cruzamento de dados do Censo do Inep de 2022 e das escolas cadastradas no portal E-MEC.
Apesar de deter 79,5% das vagas, a rede particular tem lutado para ampliar a oferta. A AMIES contabiliza 196 processos judiciais em tramitação para a abertura de novas vagas ou cursos de Medicina. Deste total, 193 (98,4%) serão submetidos ao arcabouço normativo da Portaria nº 531 da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES/MEC), divulgada em dezembro passado. Esta portaria define o padrão decisório e os critérios que os municípios onde se pretende ofertar as vagas devem atender para que a autorização seja obtida.
“Nos processos administrativos pendentes, o MEC tem limitado a análise da relevância e da necessidade social da oferta do curso no município, e não no âmbito da região de saúde, em sentido contrário ao expressamente decidido pelo STF e ao que estabelece a Lei dos Mais Médicos (art. 3º, §1º; art. 7º, II). Essa situação tem causado enorme insegurança jurídica, pois contraria o entendimento do STF, o que certamente levará a uma nova fase de judicialização da questão”, afirma a secretária executiva da AMIES, Priscila Planelis
Pela análise técnica da Associação, considerados os municípios com coeficiente de médicos por mil habitantes superior a 3,73 (recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE), 76 processos (39,4%) devem ser indeferidos.
Priscila pondera que a ampliação da oferta de cursos de Medicina avaliados com padrão de excelência pela comissão de especialistas do Inep elevaria o número de profissionais médicos no país e a prestação de serviços e assistência à saúde para população carente. “Outro aspecto importante, disposto na Portaria 531/2023, é que a oferta de cursos de Medicina por instituições privadas de ensino superior implica em melhorias na estrutura de equipamentos de saúde dos municípios, decorrentes da contrapartida de 10% do faturamento bruto anual dos cursos autorizados, o que poderá resultar em investimentos em saúde pública da ordem de R$ 5 bilhões”, acrescenta.
Considerando a oferta e a procura, a criação de novas vagas na rede privada naturalmente acarretaria redução no valor das mensalidades. Porém, enquanto as tentativas de ampliação são discutidas na justiça, milhares de brasileiros que não conseguem o acesso às instituições públicas nem têm como pagar os altos valores das particulares são obrigados a buscar a formação fora do país.
É o caso do médico João Marcos Mendes, 27 anos, que se formou no Paraguai, em 2022. “Sem dúvida nenhuma, o preço é uma das coisas que mais fazem valer a pena, porque o curso é dez vezes mais barato ou quase isso. E lá no Paraguai, pelo menos, há instituições que têm a mesma estrutura, ou até melhor, se comparada à de muitas faculdades no Brasil. Então, é um custo-benefício incrível”, avalia.
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